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terça-feira, 6 de março de 2012

Isso não é apenas a cor da minha pele, mas também a minha historia.



 “... ser negro no Brasil não se limita às características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define.” ( Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana )


A desigualdade racial é algo muito presente em nossa sociedade brasileira e se manifesta de diferentes formas. Entretanto, isso não está ligado apenas à cor da pele, mas a uma história que faz parte da de muitos brasileiros. É a trajetória de um povo que sofreu e lutou por seus direitos e que luta ate hoje através do movimento negro, estudantil, etc.
Com a colonização européia no Brasil, veio também a escravatura. Negros eram trazidos da África em navios negreiros para trabalharem como escravos no Brasil. Viviam em péssimas condições de vida, além de muita tortura e castigos físicos. Entretanto, esse mesmo povo que sofreu, lutou pela sua sobrevivência. Eles formavam grupos que eram bem organizados; fugiam e formavam quilombos, onde os integrantes vivam em liberdade. Um dos mais famosos foi o Quilombo dos Palmares, comandado pelo Zumbi dos Palmares. Nesses quilombos, eles tinham total liberdade inclusive para as suas práticas religiosas.
A escravidão no Brasil durou por um longo período, e somente em 1888 ela é abolida. Entretanto, o Estado Republicano, com sua vocação elitista e excludente, não integrou os negros à sociedade brasileira. Fruto da discriminação racial, muitos negros ficavam sem moradia e sem meios para conseguiam empregos, submetendo-se a subempregos ou estando em plena marginalização social. A grande maioria passou a viver em péssimas condições, como os cortiços e favelas, além de assegurar a sua sobrevivência em trabalhos informais e temporários. Inúmeros textos literários, como as de Aluísio Azevedo e Lima Barreto, retrataram fielmente a vida e a exclusão social dos negros e mestiços, ainda nos idos da Primeira República.
Apesar de passados 124 anos após a abolição da escravatura, ainda se propaga em nossa sociedade brasileira o preconceito e a desigualdade racial, escondida sob a capa da “democracia racial”. Estudos indicam, com dados sistemáticos, que os negros possuem ainda salários inferiores aos que são brancos. Além disso, a taxa de desempregados e de analfabetismo é muito maior entre a população negra, se comparado com a branca. Quando o assunto é o homicídio, os índices maiores são as de pessoas negras. Em relação às mulheres, através de um levantamento feito pelo MDS em 2011, as 70,8% que se declaram pardas ou negras correspondem à parcela extremamente pobre da população brasileira, enquanto as que se declaram branca estão entre 50,5%. Estes dados, dentre tantos outros, apenas demonstram o quanto em nossa sociedade brasileira ainda reflete a desigualdade racial.
Alguns afirmam que não existe racismo no Brasil, porque somos uma mistura de raças. Se for assim, uma série de perguntas é formulada, na busca de respostas diretas: O que dizer diante de tais dados que atestam a forte disparidade social entre brancos e negros? Por que a parcela majoritária da classe trabalhadora e de subempregados que compõem o lumpenproletariado é de negros?  Por que as oportunidades maiores de trabalho são destinadas aos mais claros, em detrimento aos negros ou oriundos deste segmento? Por que nas escolas e até mesmo nas universidades, os estudos sobre Antropologia – baseada na questão étnico-racial – e em História – com a historicidade do povo africano e sobre a cultura afro-brasileira – são ainda um desafio, por sinal muito pouco explorado? Por que a cultura afro-brasileira é pouco valorizada ou às vezes só é “admirada” no dia 13 de maio e 21 de novembro? Por que o cabelo liso é mais “aceito” do que o “crespo”? Por que a vocação de um negro de “sucesso”, em plena sociedade capitalista, se resumem ao futebol e ao samba, sem se refletirem em outros campos ou áreas de conhecimento ou de atividade social?
Tais indagações nos levam a pensar em qual tipo de sociedade estamos e queremos construir. Uma sociedade com oportunidades iguais para todos, ou a que continua a repetir a historia de um passado injusto e opressor.
O censo de 2010 demonstra que 15% dos brancos têm nível superior e os negros correspondem a 4,7% apenas. Quando o ensino superior se refere à universidade publica, o percentual em torno da população negra diminui mais ainda. O numero de negros e pardos que ingressam no ensino superior na universidade publica é bem inferior a do branco. A evasão escolar nas universidades públicas dos negros são maiores ainda não apenas à conclusão dos cursos de graduação, mas nos de pós-graduação, como o mestrado e doutorado – além, é claro, nos cursos de maior concorrência candidato/vaga. Assim, quanto mais prestigio tiver o curso e a Universidade em que ele é oferecido maior é a concorrência e menor o publico negro.
Uma das medidas que podem ser feitas em curto prazo para essa reparação, e que haja igualdade racial dentro da Universidade publica, seria o oferecimento de cotas como política emergencial de reparação. A UERJ foi uma das pioneiras a implantar o sistema de cotas raciais no Brasil. Neste sentido, vale ressaltar que os estudos recentes da própria UERJ demonstram que os estudantes que ingressaram através desse sistema estão se saindo muito bem em sua carreira profissional e querem dar continuidade os estudos. Da mesma forma, as notas chegam a ser iguais ou maiores a dos estudantes que ingressaram pelo vestibular através da modalidade convencional. Isso é apenas um dos dados de que é possível a promoção de uma maior igualdade racial, demonstrando que, com vontade política, é possível promover uma plena igualdade racial, através da oportunidade igual para todos para assim reparar essa divida histórica que o Brasil tem com o negro. A médio e longo prazo, o Estado deve assumir para si o investimento pleno em uma Educação em Tempo Integral, Universal, Gratuito, Popular e de qualidade, a serviço do nosso povo e, em especial, democratizando o seu acesso ao segmento negro de nossa sociedade, ainda excluído do pleno acesso a oportunidades de excelência, seja educação, na cultura, no lazer e no trabalho, dentre outros direitos sociais afins.
Em nossa universidade, o debate sobre cotas ainda é tratado com muito conservadorismo. Entretanto, podemos considerar os avanços sobre esse tema. Hoje, a UFRJ já está em seu segundo ano de sistema de cotas sociais para alunos oriundos da rede pública. Nesse período, foi possível aumentar o percentual de 20% a 30% dessas cotas. O debate de cotas raciais ainda é um desafio a ser vencido; porém, caminhamos nesse debate, em que não tenha apenas cotas raciais e o mero aumento da porcentagem das cotas sociais, mas também uma política clara de assistência estudantil, onde o cotista, além de ingressar no ensino superior, venha a ter também condições de dar continuidades a seu curso.
São esses e outros desafios na construção de uma universidade plenamente democrática, popular, gratuita e de qualidade, à serviço do Brasil e do povo brasileiro. Nada mais!

Artigo de Natália Barbosa (Pedagogia UFRJ)